Tribunal mantém decisão inédita que obriga usina a abolir salário por produção no corte de cana
Por maioria dos votos, desembargadores decidem manter sentença da Vara do Trabalho de Matão, determinando que Usina Santa Fé adote salário por tempo de trabalho, com fundamento em fontes médicas, jurídicas e acadêmicas
Em seção realizada nesta terça-feira (8), a 11ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas manteve a decisão inédita da Justiça do Trabalho de Matão (SP), proferida em outubro do ano passado, que proíbe, pela primeira vez, uma empresa do setor sucroalcooleiro a vincular o salário dos seus cortadores à quantidade de cana colhida por eles, prática conhecida como “salário por produção”. A tese do Ministério Público do Trabalho, autor da ação, foi vencedora por três votos a um.
A decisão proferida nos autos da ação civil pública determina que a Usina Santa Fé, de Matão, se abstenha de pagar aos empregados o salário calculado por tonelada cortada.
Um dos temas mais discutidos nos últimos anos por especialistas e profissionais do setor, o salário por produção está intimamente ligado às condições de saúde e segurança do trabalho no corte manual de cana-de-açúcar.
Em decorrência do baixo piso das diárias mínimas (ou ausência delas), os trabalhadores acabam por praticar um esforço subumano na busca por um ganho salarial mais compensador, o que pode resultar em casos de exaustão, doenças ocupacionais e até mortes.
De 2003 até hoje, dezenas de pessoas morreram no ambiente de trabalho, em meio à atividade de corte de cana. A causa dos óbitos, em geral, é provocada por infarto ou AVC (acidente vascular cerebral), intimamente associada à alta de pressão.
Com o objetivo de proteger a integridade dos trabalhadores, o MPT em Araraquara ingressou com ação contra a Usina Santa Fé, após inquérito que constatou a precariedade no meio ambiente de trabalho no que se refere ao excesso de trabalho decorrente do salário por produção.
Na petição inicial da ação civil pública, o Ministério Público se apoia em teses, estudos e casos concretos para demonstrar que a morte de cortadores de cana advém do salário por produção, já que este sistema de remuneração provoca a necessidade dos trabalhadores aumentarem o esforço despendido no trabalho.
Na sentença de primeira instância, o juiz acatou os argumentos apresentados pelo MPT e apresentou, em 112 páginas, outros estudos que fundamentam a prática nociva do salário por produção à vida do trabalhador.
Uma das teses se refere a um estudo elaborado por acadêmicos que faz analogia ao corte de cana e à maratona, apontando que ambas geram praticamente o mesmo nível de desgaste físico. A pesquisa apresenta números que dão a dimensão do enorme esforço realizado pelos cortadores durante a jornada de apenas um dia: eles desferem uma média de 3.792 golpes com o podão, realizam 3.394 flexões de coluna e levantam cerca de 11,5 toneladas de cana.
Outras referências literárias e artigos técnicos também são citados na ação, os quais afirmam que quando a necessidade de regulação da temperatura corporal aumenta, o sistema cardiovascular pode tornar-se sobrecarregado durante o exercício da atividade de corte, especialmente no calor, já que deve transferir alta taxa de fluxo sanguíneo para a área entre a pele e os músculos, deixando as demais com pouca oxigenação. A consequência pode ser fatal: infartos e acidentes cardiovasculares podem acontecer durante a “maratona”. Além disso, sintomas de fadiga, como tontura e vômitos, e cãibras pela desidratação, podem ser comuns.
Com a decisão, a Usina Santa Fé deve abolir o sistema de pagamento por produção e adotar um sistema de pagamento salarial por tempo de trabalho, sob pena de multa de R$ 1.500 por trabalhador, a cada mês de descumprimento. A empresa deve pagar uma indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil.
Segundo o MPT, a decisão pode abrir espaço para uma mudança no setor, baseada em práticas com base em outras formas de remuneração, que não atentem contra a saúde coletiva. Para isso, a participação dos sindicatos para estabelecer um piso salarial mais elevado é de extrema importância.
Prazo – a decisão de segunda instância reforma o prazo para cumprimento da obrigação, que até então era imediato. A partir de agora, a usina tem 180 dias após o trânsito em julgado (quando não há mais possibilidades de recurso) para cumprir a decisão judicial. O acórdão será publicado nos próximos dias.
A ação foi redigida pelo procurador Rafael de Araújo Gomes, de Araraquara, que também conduziu o inquérito civil. No Tribunal, o procurador Fábio Messias Vieira foi responsável pela sustentação oral. Cabe recurso à empresa no Tribunal Superior do Trabalho.
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